quarta-feira, 14 de abril de 2010

Artigo do Dr. Feitosa


O Pobre, A Chuva E O Descaso.




Pois é, pobre é fogo!

Por que será que ele costuma sistematicamente construir suas miseráveis habitações na encosta dos morros?

Não suspeita que é perigoso, que a chuva forte pode cair e levar de roldão sua casa, seus minguados pertences e o que é mais grave, sua vida?

Não foi ele avisado pelas autoridades que corria risco iminente?

Acho que ele é teimoso, gosta de viver com muita adrenalina; aliás, o pobre já há muito cansou de viver com abundante adrenalina, até demais!

Dá uma adrenalina danada não saber se vai haver o que comer no dia a dia; também dá muita emoção se desviar de bala perdida;

De bala achada, também; Não saber aguentar a desnutrição dos filhos e sua consequente vida feia, sem perspectiva, doente, infeliz, terminando a mais das vezes em morte, também provoca adrenalina pra caramba. Em suma, não há de ser um “deslizamentozinho”, um “desgoverninho”, um temporalzinho, que vai assustar ou desagradar o pobre.

O pobre é, antes de tudo, um forte! Sobrevive sabe lá Deus como, provavelmente de teimoso mesmo.

Falando sério, a pergunta é:

Onde é que o pobre vai construir seu barraco?

Na Vieira Souto? Claro que não!

Tem que ser na encosta super perigosa, construção de pau a pique, sem nenhuma segurança, sem estrutura conveniente, quase sem nada; se por acaso São Pedro não favorece, azar o dele.

Meu Deus! Talvez precise acontecer uma desgraceira dessa para que a gente se conscientize dos desgovernos, da dureza dos corações dos mais abonados, da certeza de que literalmente não havia necessidade de tanto sofrimento, tantas mortes, tanto choro desesperado. Ver na TV um homem chorando por ter perdido seus filhos, sua mulher e o resto de toda sua família, é duro.

“ Perdi toda a minha família, não sei como continuar a viver...”

Que frase dramática, faz-nos pensar em como somos felizes de estarmos vivos, abrigados no conforto de nossos lares, todos os nossos com saúde, sem nenhum dos problemas do pobre. E reclamamos da vida: por não termos mais dinheiro, por não podermos comprar o que a mídia nos mete dentro da alma, alimentando nosso consumismo de rico, por não podermos luxar como o vizinho, “por que será que não sou tão bem sucedido (financeiramente) quanto fulano?”

A inveja campeia, o meu luxo apaga minha irmandade, o descaso do governo começa pelo meu, pelo seu, pelo nosso, descaso. Porque o pobre é pobre? Porque o salário mínimo é essa miséria que o pobre recebe, quando há trabalho para o pobre?

A resposta é fácil: Porque o pobre não tem escola, não se esclarece, não tem ânimo para lutar, (como? De barriga vazia, desnutrido, sem condições mínimas de sobrevivência, sem um monte de coisas essenciais para uma vida digna?) porque seu irmão mais abonado não está nem aí, para a sua condição. Entre esse irmão mais abonado, podemos incluir a todos nós, os não pobres, os governos nacionais e os internacionais, que ainda não entenderam que a miséria é o resultado do desamor, da falta de verdadeira irmandade, da dureza de nossos corações e do quanto ainda temos que nos aperfeiçoar para chegar a merecer estar e conviver com Deus Pai.

A condição do pobre atinge a todos, nos dilacera por dentro, é o motivo de todo o sofrimento deste mundo.

Culpar a chuva é fácil, preservar a natureza, as matas, as encostas, parece difícil.

Dar esmola ao pobre (desde que pouca) é fácil, dar educação de qualidade, muito difícil.

Poluir os rios, acabar com as fontes de energia fóssil, pouco se importar com o aquecimento global, também é fácil; o que é engraçado é se espantar com as tsunamis, com as enchentes motivadas pelo entupimento do escoamento causado pelo lixo jogado de qualquer maneira pela população deseducada. Isto me faz lembrar quando eu atravessava uma rua deserta em Berna, capital da Suíça, porque era domingo; claro que atravessei fora da faixa de pedestre: claro!

Não havia viva alma, nenhum carro, nem cachorro vira lata vagabundeando; quando botei o pé fora da calçada, na rua, apareceu um guarda, lá de longe, apitando para mim.

Chegou perto e com um sorrisinho de mofa, perguntou-me, dizendo: “Turista, pois não?

Atravessar a rua só com o sinal aberto e na faixa!”

Só faltou me dar um tapinha nas costas e terminar com um “meu chapa!”.

Sorri amarelo e me ruborizei pela minha condição de troglodita, habitante do terceiro mundo.



Médico Psicoterapeuta.

Pediatra e Psicoterapeuta, Dr. Feitosa.


2 comentários:

  1. Sensacional, adorei o texto. Parabéns. Cada vez que venho aqui me surpreendo mais com teu blog.

    Abração.

    ResponderExcluir
  2. Olá Pensador L.!

    Que ótimo!
    É um prazer tê-lo aqui.És bem vindo!

    Obrigada pelo feedback.

    Um abraço.
    Rosemary Quintas

    ResponderExcluir

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