sábado, 29 de novembro de 2008

Letramento: Você Pratica?



"Não é novidade que o Brasil ainda enfrenta insistentemente o problema do analfabetismo,tanto de crianças que saem da escola e de outros que não tiveram a oportunidade de se apropriarem do saber da leitura e escrita.É fato que o nosso país possui um número significativo de indivíduos que não adquiriram o saber necessário para atender às exigências de uma sociedade letrada. De acordo com informações (MEC/INEP, 2001) cerca de 980.000 crianças na 4ª série do ensino fundamental não sabem ler, e mais de 1.600 são capazes de ler apenas frases simples. Recentemente, a Rede Globo, através do Programa semanal “Fantástico”, fez uma pesquisa intitulada “Provão do Fantástico” aplicada em 27 capitais brasileiras (somente em escolas públicas), e avaliou que mais da metade dos alunos não é capaz de responder a questões que requerem raciocínio e 60% só conseguem identificar informações muito simples. Esses, seriam apenas mais alguns dados para pessoas comuns, mas é algo extremamente alarmante para o educador. É neste ponto que entra a grande questão da intervenção do educador e a inclusão da prática geradora do letramento.
Letramentoonde, como e por que foi criado este termo?
O vocábulo é um tanto quanto fora do comum para muitos profissionais da área da educação e, principalmente, para os acadêmicos desse setor. Há alguns anos, pode-se dizer que menos de vinte, esse vocábulo surgiu entre os lingüistas e estudiosos da língua portuguesa, e então passou a ter veiculação no setor educacional.
Constatou-se que uma das primeiras menções feitas deste termo ocorreu em No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística (1986) por Mary A. Kato, segundo Magda Soares (2003: 15). A mesma registra, nesta obra, que foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa quanto ao significado da palavra, no dicionário Aurélio, por exemplo, nada foi encontrado, bem como também, não foi encontrado o verbo “letrar”, porém, o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa de Caldas Aulete, com edição constando de mais de um século, contém o verbete com o simples significado de “escrita”. Ela ressalta, ainda, que no mesmo dicionário esse vocábulo é classificado como “antiquado”. Ora, logo, este termo caiu em desuso há bastante tempo em nossa língua. Então, por que este termo tem sido utilizado agora com certa freqüência nos campos educacionais e lingüísticos?
Devemos esclarecer que esse vocábulo não tem sido usado, atualmente, com a denotação supracitada. O termo se originou de uma versão feita da palavra da língua inglesa “literacy”, com a representação etimológica de estado, condição, ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado, especialmente, para ler e escrever.
Nos dicionários da língua portuguesa o termo alfabetizado diz respeito ao indivíduo que somente aprendeu a ler e escrever, não se diz que é o que adquiriu o estado ou condição de quem se apossou da leitura e da escrita, e que responde de maneira satisfatória as demandas das práticas sociais. Ainda, ampliando a abrangência da alfabetização, podemos analisá-la à medida que esta reproduz a “formação social existente, ou como um conjunto de práticas culturais que promove a mudança emancipadora” (DONALDO, 1990: 10).
Leda Verdiani Tfouni, em “Letramento e alfabetização” (1995), afirma que a alfabetização, por muitas vezes, está sendo mal entendida:
Há duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como um processo de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos, de naturezas diferentes. O mal-entendido que parece estar na base da primeira perspectiva é que a alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser descrita sob a forma de objetivos instrucionais. Como processo que é parece-me antes que o que caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.
Com isso, fica subentendido, pelo aspecto sociointeracionista, que a alfabetização do individuo, é algo que nunca será alcançado por completo, não há um ponto final. A realidade é que existe a extensão e a amplitude da alfabetização no educando, no que diz respeito às práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Neste âmbito, muitos estudiosos discutem a necessidade de se transpor os rígidos conceitos estabelecidos sobre a alfabetização, e assim, considerá-la como a relação entre os educandos e o mundo, pois, este está em constante processo de transformação. E o indivíduo para não ser atropelado e marginalizado pelas mudanças sociais deverá acompanhar, através da atualização individual, o processo que levará ao crescimento e desenvolvimento. Não que o educando não tenha qualquer saber antes da alfabetização, pelo contrário, sabemos que todo indivíduo possui, de alguma forma, níveis de conhecimento. E, isto, foi muito bem discorrido por Paulo Freire:
O ato de ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler a palavra. Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram o mundo e a seguir escreveram as palavras.
Esse é um ponto de suma importância para aqueles que pretendem despojar-se dos restritos, e incisivos, conceitos em que a alfabetização é estabelecida em termos mecânicos e funcionais.
Mas, afinal, por que e para que surgiu o que se denominou letramento?
Por todo o tempo em que já vivemos como uma sociedade grafocêntrica, têm-se conhecimento sobre a problemática da falta do saber ler e escrever. Com isso, gerou-se uma crescente preocupação em desenvolver um controle sobre essa questão, através de muitos estudos e ações com o objetivo de erradicar o problema, logo, foi preciso criar um termo e fazê-lo conhecido no campo da pesquisa, surgindo o “analfabetismo”. Mas, observou-se que para o estado / condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira ampla e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da leitura e escrita, ainda não havia uma denominação. Mais tarde, isso se fez necessário devido à constatação de uma nova situação: de que não basta apenas o saber ler e escrever, necessário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz. Então, o nome letramento surgiu mediante a esta nova constatação.
Quando fatos “novos” são constatados, ou surgem novas idéias à respeito de fenômenos, depara-se com a necessidade de se criar novos vocábulos ou nomes para se tratar com determinados assuntos (SOARES, 2003). Ou seja, freqüentes mudanças sociais geram novas demandas sociais de uso da leitura e da escrita, logo, gerando novos termos específicos.
O letramento é um fenômeno de cunho social, e salienta as características sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resultado de ter-se “apoderado” de um sistema de grafia."

Cyntia Santuchi Peixoto (FAFIA)Eliane Bisi da Silva (FAFIA)Ivan Batista da Silva (FAFIA)Luciano Dutra Ferreira (FAFIA)
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo; DONALDO, Macedo. Alfabetização: leitura da palavra leitura do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. 7ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
KLEIMAN, Ângela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
SILVA, José Pereira da. Filologia é o estudo da língua na literatura. A visão de J. Mattoso Câmara Jr. In: América Latina y lo Clásico. Santiago de Chile: Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación - Facultad de Historia, Geografía y Letras, 2003, tomo II, p. 619-629.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2ªed. 6ª reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.

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